Fundações do Nacionalismo Russo
por Robert Steuckers
(ex: http://legio-victrix.blogspot.com )
O famoso eslavista italiano Aldo Ferrari aponta que do século X ao XIII,
a Rússia de Kiev estava bem integrada no sistema econômico medieval. A
invasão tártara afastou a Rússia do Ocidente. Posteriormente, quando o
Principado de Moscou se reorganizou e expulsou os resíduos do Império
Tártaro, a Rússia passou a se ver como uma nova Bizâncio Ortodoxa,
diferente do Ocidente católico e protestante. A vitória de Moscou deu
início ao impulso russo em direção à vastidão siberiana.
A ascensão de Pedro o Grande, o reinado de Catarina a Grande, e o século
XIX trouxeram uma tentativa de reaproximação com o Ocidente.
Para muitos observadores, a revolução comunista inaugurou uma nova fase
de isolamento autárquico e desocidentalização, apesar da origem
euro-ocidental de sua ideologia, o marxismo.
Mas a ocidentalização do século XIX não havia sido unanimemente aceita.
No início do século, uma corrente fundamentalista, romântica e
nacionalista apareceu com veemência por toda a Rússia: contra os
"ocidentalistas" emergiram os "eslavófilos". A maior clivagem entre a
esquerda e a direita nasceu na Rússia, no rastro do romantismo alemão.
Ela está viva ainda em Moscou, onde o debate está cada vez mais vivo.
O líder dos ocidentalistas no século XIX era Piotr Chaadaev. As mais
notáveis figuras do campo "eslavófilo" eram Ivan Kireevski, Aleksei
Khomiakov, e Ivan Axakov. O ocidentalismo russo se desenvolveu em
diversas direções: liberal, anarquista, socialista. Os eslavófilos
desenvolveram uma corrente ideológica se apoiando em dois sistemas de
valores: cristianismo ortodoxo e comunidade camponesa. Em termos
não-propagandísticos, isso significava a autonomia das igrejas nacionais
e um selvagem anti-individualismo que considerava o liberalismo
ocidental, especialmente sua variedade anglo-saxã, como uma verdadeira
abominação.
Ao longo das décadas, essa divisão se tornou cada vez mais complexa.
Certos esquerdistas evoluíram em direção a um particularismo russo, um
socialismo anti-capitalista anarco-campesino. A direita eslavófila se
transmutou no "pan-eslavismo" manipulado para promover a expansão russa
nos Balcãs (apoiando romenos, sérvios, búlgaros e gregos contra os
otomanos).
Entre estes "pan-eslavistas" estava o filósofo Nikolay Danilevsky, autor
de um audacioso panorama histórico retratando a Europa como uma
comunidade de velhos drenados de suas energias históricas, e os eslavos
como uma falange de povos jovens destinados a governar o mundo. Sob a
direção da Rússia, os eslavos devem tomar Constantinopla, reassumir o
papel de Bizâncio, e construir um império imperecível.
Contra o programa de Danilevsky, o filósofo Konstantin Leontiev queria
uma aliança entre Islã e Ortodoxia contra o fermento liberal de
dissolução do Ocidente. Ele se opunha a todo conflito entre russos e
otomanos nos Balcãs. O inimigo era acima de tudo anglo-saxão. A visão de
Leontiev ainda tem apelo para muitos russos hoje.
Finalmente, no Diário de Inverno, Dostoévski desenvolveu idéias
similares (a juventude dos povos eslavos, a perversão do Ocidente
liberal) às quais ele acrescentou um anti-catolicismo radical.
Dostoévski veio a inspirar em particular os "nacional-bolcheviques"
alemães da República de Weimar (Niekisch, Paetel, Moeller van den Bruck,
que foi seu tradutor).
Após a construção da ferrovia trans-siberiana sob a direção enérgica do
ministro Witte, uma ideologia pragmática e autárquica de "eurasianismo"
emergiu que objetivava colocar a região sob controle russos, fosse
dirigida por um Czar ou por um Vojd ("Chefe") soviético.
Os ideólogos "eurasianos" são Troubetzkoy, Savitski e Vernadsky. Para
eles, a Rússia não é uma parte oriental da Europa mas um continente em
si mesmo, que ocupa o centro da "Ilha Mundial" que o geopolítico
britânico Halford John Mackinder chamava de "Heartland". Para Mackinder,
a potência que conseguisse controlar "Heartland" era automaticamente
mestre do planeta.
De fato, essa "Heartland", nomeadamente a área se estendendo de Moscou
aos Urais e dos Urais ao Transbaikal, era inacessível para potências
marítimas como Inglaterra e Estados Unidos. Isso poderia, portanto,
mantê-los em cheque.
A política soviética, especialmente durante a Guerra Fria, sempre tentou
realizar os piores temores de Mackinder, i.e., tornar o centro
russo-siberiano da URSS impregnável. Mesmo na era do poder nuclear, da
aviação e dos mísseis transcontinentais. Essa "santuarização" da
"Heartland" soviética constituía a ideologia semi-oficial do Exército
Vermelho de Stálin a Brezhnev.
Os neo-nacionalistas imperiais, os nacional-comunistas e os patriotas se
opunham a Gorbachev e Iéltsin porque eles desmantelaram os glacis
euro-orientais, ucraniano, bálticos e centro-asiáticos dessa
"Heartland".
Essas são as premissas do nacionalismo russo, cujas múltiplas correntes
hoje oscilam entre um pólo populista-eslavófilo ("narodniki", de
"narod", povo), um pólo pan-eslavista, e um pólo eurasiano. Para Aldo
Ferrari, o nacionalismo russo de hoje é subdividido entre quatro
correntes: (a) neo-eslavófilos, (b) eurasianistas, (c)
nacional-comunistas, e (d) nacionalistas étnicos.
Os neo-eslavófilos são primariamente aqueles que defendem as teses de Solzhenitsyn. Em Como Restaurar nossa Rússia?,
o escritor exilado nos Estados Unidos pregava colocar a Rússia em uma
dieta: Ela deve desistir de todas as inclinações imperiais e reconhecer
plenamente o direito a autodeterminação dos povos em sua periferia.
Solzhenitsyn então recomendava uma federação das três grandes nações
eslavas da ex-URSS (Rússia, Bielorrússia e Ucrânia). Para maximizar o
desenvolvimento da Sibéria, ele sugeria uma democracia baseada em
pequenas comunidades, um pouco como o modelo suíço. Os outros
neo-nacionalistas o reprovam por mutilar a pátria imperial e por
propagar um utopismo ruralista, irrealizável no mundo hipermoderno em
que vivemos.
Os eurasianistas estão por todo lugar na arena política russa atual. O
filósofo a quem eles se referem é Lev Gumilev, um tipo de Spengler russo
que analisa os eventos da história segundo o grau de paixão que anima
um povo. Quando o povo é apaixonado, ele cria grandes coisas. Quando a
paixão interior fenece, o povo declina e morre. Tal é o destino do
Ocidente.
Para Gumilev, as fronteiras soviéticas são intangíveis, mas a nova
Rússia deve aderir ao princípio do pluralismo étnico. Não é, assim, uma
questão de russificar o povo da periferia, mas de torná-los aliados
definitivos do "povo imperial".
Gumilev, que morreu em junho de 1991, interpretou as idéias de Leontiev
em uma direção secular: os russos e os povos túrquicos da Ásia Central
deveriam fazer causa comum, deixando suas diferenças religiosas de lado.
Hoje, a herança de Gumilev é encontrada nas colunas de Elementy, a revista da "Nova Direita" russa de Aleksandr Dugin, e Dyeinn (que se tornou Zavtra,
após a proibição de outubro de 1993), o jornal de Aleksandr Prokhanov,
os principais escritores e jornalistas nacional-patrióticos. Mas também é
possível encontrá-la entre certos muçulmanos do "Partido do
Renascimento Islâmico", em particular Djemal Haydar. Mais curiosamente,
dois membros da equipe de Iéltsin, Rahr e Tolz, eram seguidores do
eurasianismo. Seus conselhos não eram seguidos.
Segundo Aldo Ferrari, os nacional-comunistas afirmam a continuidade do
Estado soviético como uma entidade histórica e espaço geopolítico
autônomo. Mas eles compreendem que o marxismo não é mais válido. Hoje,
eles defendem uma "terceira via" em que o conceito de solidariedade
nacional é fundamental. Este é particularmente o caso do chefe do
Partido Comunista da Federação Russa, Gennady Zyuganov.
Os nacionalistas étnicos são inspirados mais pela extrema-direita russa
pré-1914 que desejavam preservar a "pureza étnica" do povo. Em um certo
sentido, eles são xenófobos e populistas. Eles querem que o povo do
Cáucaso retorne a suas terras e são às vezes antissemitas estridentes,
na tradição russa.
De fato, o neo-nacionalismo russo está enraizado na tradição do
nacionalismo do século XIX. Na década de 60, os neo-ruralistas
(Valentine Rasputin, Vassili Belov, Soloukhine, Fiodor Abramov, etc.)
passaram a rejeitar completamente o "liberalismo ocidental", com base em
uma verdadeira "revolução conservadora" - tudo com as bençãos da
estrutura do poder soviético!
A revista literária Nache Sovremenik foi tornada o veículo
oficial dessa ideologia: neo-ortodoxa, ruralista, conservadora,
preocupada com valores éticos, ecológica. O comunismo, eles diziam,
extirpava a "consciência mítica" e criou uma "humanidade de monstros
amorais" completamente "depravados", prontos para aceitar miragens
ocidentais.
Finalmente, essa "revolução conservadora" foi silenciosamente imposta na
Rússia enquanto no Ocidente a mascarada de 1968 causou a catástrofe
cultural com a qual ainda sofremos.
Os conservadores russos também põem um fim ao fantasma comunista da
"interpretação progressiva da história". Os comunistas, de fato,
aceitavam do passado russo tudo que pressagiasse a revolução e
rejeitavam o resto. Para a "interpretação progressista e seletiva", os
conservadores opunham o "fluxo único": eles simultaneamente valorizavam
todas as tradições históricas russas e relativizaram mortalmente a
concepção linear do marxismo.
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