O Tratado de Rapallo e suas consequências
16 de Abril de 1922: Tratado de Rapallo: a Alemanha, vencida em 1918, e a URSS, acabada de sair da guerra civil que opôs Brancos e Vermelhos, assinam um acordo bilateral sob os auspícios dos seus ministros respectivos, Walther Rathenau et Georg Tchitchérine. A URSS renuncia a reclamar reparações de guerra à Alemanha, que, em troca, se compromete a vender bens de equipamento à Rússia vermelha.A Conferência de Génova fora sugerida pela Grã-Bretanha para reger a ordem do pós-guerra após a URSS se ter recusado a pagar as dívidas do Império dos Czares. Os britânicos sugeriam um reconhecimento da URSS, o estabelecimento de relações diplomáticas normais e, sobretudo, queriam recuperar os seus interesses nos petróleos de Baku. O financiamento britânico à contra-revolução branca tem como objectivo principal afastar o poder vermelho, centrado em Moscovo e São Petersburgo, dos campos petrolíferos caucasianos: os artesãos desta manobra eram Churchill e o magnata Deterding, da Shell. O fracasso dos exércitos brancos e a reconquista soviética do Cáucaso obrigaram os britânicos a mudar de estratégia e a aceitar intervir na famosa NEP (Nova Política Económica) lançada por Lenine. Ao mesmo tempo, os americanos também se começaram a interessar pelo petróleo do Cáucaso, esperando tirar proveito dos problemas que os britânicos estavam a ter com a derrota dos brancos.
Antes do golpe de Rapallo, imprevisto, adivinhava-se um confronto directo entre Grã-Bretanha e os EUA visando o controlo planetário do petróleo. Confronto que prosseguiu, por interpostas pessoas, nomeadamente na América Latina, mas agora o bloco informal germano-russo constituía o maior perigo, impedindo qualquer confrontação directa entre Londres e Washington.
Rathenau não tinha, inicialmente, nenhuma vontade de ligar o destino da Alemanha ao da jovem URSS. Mas o peso colossal das reparações, exigidas por franceses e britânicos, era tal que não restavam outras soluções. Em 1921 Londres impusera uma taxa proibitiva de 26% sobre todas as importações alemãs, impedindo por esta via qualquer possibilidade de a Alemanha poder reembolsar em condições aceitáveis as dívidas impostas em Versalhes. A Alemanha precisava de um balão de oxigénio, de obter matérias-primas sem ter que as adquirir em divisas ocidentais e precisava de relançar a sua indústria. Em troca dessas matérias-primas participaria na consolidação industrial da URSS, fornecendo-lhe bens de alta tecnologia. O ultimato de Londres de 1921 exigia o pagamento de 132 milhões de marcos-ouro, montante que John Maynard Keynes julgou desproporcionado, de tal forma que conduziria a prazo a um novo conflito. Pior ainda: se a Alemanha não aceitasse esta imposição, ainda mais draconiana que a de Versalhes, corria o risco de ver a sua região do Ruhr, o seu coração industrial, ser ocupado pelas tropas aliadas. O objectivo era o de eternizar a fraqueza alemã, impedir qualquer recuperação da sua indústria, de provocar um êxodo da sua população (para os EUA ou para as possessões britânicas) ou uma mortalidade infantil sem precedentes (como aquando do bloqueio da costa alemã no imediato pós-guerra).
Com o tratado de Rapallo, britânicos e franceses viam desenhar-se no horizonte um novo espectro: o relançamento industrial alemão, o rápido pagamento da dívida – e portanto o fracasso do projecto de enfraquecimento definitivo da Alemanha – e o rápido desenvolvimento das infra-estruturas industriais soviéticas, em particular as ligadas à exploração dos campos de petróleo de Baku, que ficariam desde logo nas mãos dos próprios soviéticos e não dos “patrões” ingleses ou americanos. Segundo o Tratado, estabelecer-se-ia em todo o território alemão uma rede de distribuição de gasolina (denominada DEROP - Deutsche-Russische Petroleumgesellschaft) que permitiria à Alemanha furtar-se à dependência petrolífera face às potências anglo-saxónicas.
Em 22 de Junho de 1922, pouco mais de dois meses após a conclusão dos acordos de Rapallo, Rathenau é assassinado em Berlim por um comando dito nacionalista e monárquico, pertencente a uma misteriosa “Organização C”. No fim desse ano, a 26 de Dezembro, Poincaré, ligado aos interesses anglo-saxónicos, encontra um pretexto – o facto de a Alemanha não ter entregue madeira em quantidade suficiente para a colocação de postes telegráficos em França – para invadir o Ruhr. As tropas francesas entram na região em 11 de Janeiro de 1923. Os ingleses abstêm-se de qualquer ocupação, colocando nos franceses o opróbrio dos 150.000 deportados, dos 400 operários mortos e dos 2.000 civis feridos, sem omitir nesta sinistra contabilidade a execução do tenente Leo Schlageter.
O assassinato de Rathenau não é um facto histórico isolado. As organizações terroristas, encarregues de executar os que planificaram políticas de estratégia industrial tidas como inaceitáveis por Londres ou Washington, nem sempre tiveram uma tonalidade monárquica e/ou nacionalista, como no caso de Walter Rathenau. Os serviços anglo-saxónicos também recorreram, para os seus sujos trabalhos, a fantoches da extrema-esquerda, nomeadamente da RAF e dos Baader-Meinhof. Foi assim que Jürgen Ponto, presidente do Dresdner Bank, que planificara com os sul-africanos o regresso ao padrão-ouro para atenuar as flutuações do dólar e do preço do petróleo, foi assassinado em 31 de Julho de 1977 por assassinos que se reclamavam do grupo Baader-Meinhof. Algumas semanas depois foi a vez de Hans-Martin Schleyer, o “ patrão dos patrões”. Mas não é tudo. Em 29 de Novembro de 1989 a viatura blindada de Alfred Herrhausen, director do Deutsche Bank, explodiu. Herrhausen fora conselheiro do chanceler Kohl na altura do desmembramento do império soviético e das manifestações populares na RDA exigindo a reunificação. A Alemanha projectava investir nos novos Länder, nos países da Comecon e na Rússia. Os meios financeiros ingleses e americanos receavam que esta massa de capitais, destinada ao desenvolvimento da Europa central e oriental, deixasse de alimentar os investimentos alemães nos Estados Unidos, prejudicando, em consequência, o sistema económico americano. A imprensa inglesa vinha fazendo uma campanha, nomeadamente no “Sunday Telegraph”, contra a emergência de um “Quarto Reich”. Apesar do assassinato de Herrhausen, o Chanceler Kohl anunciou publicamente, algumas semanas depois, que o seu governo perspectivava o desenvolvimento de grandes meios de comunicação na Europa, nomeadamente a criação de uma linha de caminho de ferro Paris-Hannover-Varsóvia-Moscovo.
A trágica morte de Herrhausen foi o primeiro acto de uma contra-estratégia anglo-saxónica: para abalar o eixo Paris-Berlim-Moscovo em gestação, era preciso atacar em dois locais: nos Balcãs, onde começa então o processo de desmembramento da Jugoslávia; e no Iraque, local onde se situam os principais campos petrolíferos do planeta. De Rapallo às guerras contra o Iraque e destas à proclamação unilateral da independência do Kosovo existe um fio condutor bem visível para todos os que não têm a ingenuidade de dar de barato as verdades da propaganda difundidas pelos grande media internacionais e os discursos lacrimejantes sobre os direitos do homem.
A
ler: William ENGDAHL, « Pétrole : une guerre d’un siècle – L’ordre
mondial anglo-américain », Ed. Jean-Cyrille Godefroy, Paris, 2007.
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