Baeumler e Nietzsche

"Baeumler estima que Nietzsche inaugura a era da Grande Razão dos Corpos, onde a Gebildetbeit, que não se dirige senão ao puro intelecto descuidando o corpo, é inautêntica, enquanto que a Bildung, repousando sobre a intuição, a inteligência intuitiva e uma valorização do corpo, é a chave de toda verdadeira autenticidade. Notemos de passagem que Heidegger, inimigo de Baeumler, também fala de "autenticidade" nessa época. A lógica do corpo, que é uma lógica estética, salva o pensamento, pensa Baeumler, porque toda a cultura ocidental se encerrou em um sistema conceitual frio que já não leva a nada, sistema cuja trajetória foi balizada pelo cristianismo, o humanismo (baseado sobre uma falsa interpretação, adocicada e falsificada, da civilização grecorromana), o racionalismo cientificista. A noção de Corpo (Leih), mais o recurso ao que Baeumler chama a "helenidade verdadeira", e.d. uma helenidade pré-socrática, assim como a uma germanidade verdadeira, e.d. uma germanidade pré-cristã, levam a um retorno ao autêntico, como o provam, na época, as inovações da filologia clássica depois de Bachofen (Walter Otto, etc.). Essa equação entre helenidade pré-socrática, germanidade pré-cristã e autenticidade, constitui o saltus periculosus de Baeumler: negar toda autenticidade ao que saía do campo dessa helenidade e dessa germanidade valeu a Baeumler ser ostracizado durante longo tempo, antes de ser timidamente reabilitado.


Em um segundo tempo, Baeumler politiza essa definição da autenticidade, afirmando que o nacional-socialismo representa "uma concepção do Estado greco-germânica". Baeumler não se entrega demasiado a críticas frustradas, nem a exigências exageradas. Por que afirma que o Estado nacional-socialista é greco-germânico no sentido em que Nietzsche definiu a corporeidade grega e aceitou a valorização grega do corpo? Para poder sustentar isso, Baeumler procedeu a uma interpretação da história cultural da "burguesia alemã", cujos modelos estão todos em quebra sob a República de Weimar. A Aufklärung, primeira grande ideologia burguesa alemã, é uma ideologia negativa porque é individualista, abstrata, e não permite forjar políticas coerentes. O romantismo, segunda grande ideologia da burguesia alemã, é uma tradição positiva. O pietismo, terceira grande ideologia burguesa na Alemanha, é rechaçado pelos mesmos motivos que a Aufklärung. O romantismo é positivo porque permite uma abertura ao Volk, ao mito e ao passado, portanto ultrapassar o individualismo, o positivismo mesquinho e a fascinação infecunda pelo progresso. Não obstante, em geral, a burguesia não tirou as lições práticas que teria sido preciso tirar de partida do romantismo. Baeumler critica a burguesia alemã o ter sido "preguiçosa" e ter escolhido um expediente: imitou e importou modelos estrangeiros (inglês ou francês) que calcou sobre a realidade alemã.

Entre as miscelâneas ideológicas burguesas, a mais importante foi o "classicismo alemão", espécie de misto artificial de Aufklärung e de romantismo, incapaz, segundo Baeumler, de gerar instituições, um direito e uma constituição autenticamente alemães. Ao rechaçar a Aufklärung e o pietismo, religando-se com o filão romântico, explica e espera Baeumler, o nacional-socialismo poderá "trabalhar para elaborar instituições e um direito alemães". Porém o novo regime jamais terá tempo de terminar essa tarefa.

Na interpretação baeumleriana de Nietzsche, a morte de Deus é sinônimo da morte do Deus medieval. Deus em si não pode morrer, porque não é outra coisa que uma personificação do Destino (Schicksal). Este suscita, por meio de fortes personalidades, formas políticas mais ou menos efêmeras. Essas personalidades não teorizam, atuam, o destino fala por elas. A Ação destrói o que existe e se embotou. A Decisão é a existência mesma, porque decidir é ser, é se transformar em uma porta que o Destino força para se precipitar na realidade. Ernst Jünger teria falado da "irrupção do elemental". Para Baeumler, o "sujeito" tem pouco de valor em si, não a adquire senão por sua Ação e por suas Decisões históricas. Essa negação do "valor em si" do sujeito funda o anti-humanismo de Baeumler, que se reencontra finalmente, sob outra forma em uma linguagem marxistizada, em Althusser, p. ex.;
[...]
O anti-humanismo de Baeumler repousa, por sua parte, em três pilares, em três obras: as de Winckelmann, de Hölderlin e de Nietzsche. Winckelmann rasgou a imagem feita que as "humanidades" haviam dado da antiguidade a gerações e gerações de europeus. Winckelmann revalorizou Homero e Ésquilo antes que a Virgílio e Sênica. Hölderlin assinalou a relação entre a helenidade fundamental e a germanidade. Porém o anti-humanismo de Baeumler é uma "revolução tranquila", mais bem "metapolítica"; avança silenciosamente, a passos de pomba, a medida que rodam e se afundam dogmas, certezas e representações paralisadas, principalmente as do humanismo,[...].


(Robert Steuckers - Nietzscheanos de Esquerda e de Direita).

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